Epitáfio?

Eu não sei o que vou escrever no meu epitáfio, mas acho que com certeza, vão desabafar muito nele. Ainda bem que não sou eu que vou escrever. Hoje no dia de finados, é bom refletir sobre a senhora MORTE.

O meu primeiro namorado 'na porta'. Os dois adolescentes, eu, aos 13 anos, como sempre fui muito mais 'liberada' que minha irmã mais velha, mesmo sendo a caçula (minha irmã mais velha só veio 'namorar na porta' lá pelos seus 15 anos, e mesmo assim, acompanhada pela 'vela', eu, porque meu pai não deixava que ela fosse sozinha à pracinha da cidade do interior) só avisei à minha mãe que avisasse ao meu pai que a partir daquele dia eu estava namorando na porta. 

Esse primeiro namorado tinha um grande amigo, inseparável, que anos mais tarde tornara-se meu marido e, anos mais tarde também, esse mesmo ex namorado agora se tornara noivo de uma que se tornou uma grande amiga, todos freqüentadores da mesma igreja. Todos éramos padrinhos uns dos outros, pela amizade que tínhamos. O casamento destes dois amigos estava por acontecer e todos estavam em polvorosa. Ela, muito feliz, arrumando o apartamento, preparando tudo, ele, trabalhava na Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia, como meu irmão e ex marido (hoje, aquele lá amigo do noivo). Eu e meu marido morávamos em outra cidade. 

Eu tinha ido comprar o tecido para fazer o vestido do casamento, estava grávida do meu primeiro filho e, cansada, passei na casa de uma tia minha para descansar um pouco. Meu marido veio ao meu encontro. Na época não havia celular, embora nem tenha tanto tempo assim, 1987, por aí. O telefone da casa da minha tia tocou, era minha mãe, que falou alguma coisa com minha prima, que franziu o cenho, como se alguma coisa muito ruim tivesse acontecido. Como eu estava grávida, minha prima passou o telefone pro meu marido, mas antes eu tivesse atendido. Era a notícia que Luiz, aquele noivo, grande amigo, havia sido eletrocutado e não havia resistido. Meu marido mal conseguiu sustentar o telefone nas mãos. 

Pegamos um ônibus no mesmo dia e fomos ao lugar da grande e primeira tristeza imensa que já vivi, por uma perda, de morte. Ela, a minha amiga, noiva, estava inconsolável e parecia ser comigo. Lembro-me que ela contou que quando recebeu a noticia, foi ainda até o hospital, ele ainda estava com o corpo quente, como se estivesse ainda vivo. Ela o abraçou muito, beijou, cheirou e eu jamais vou esquecer disso, do fato de que depois fiquei dias refletindo em como é bom sentir os corpos quentes, o suor, a respiração das pessoas que amamos, hoje, agora. Faltavam 15 dias pro casamento e foi um comoção imensa, já que entender a SOBERANIA de Deus nessa hora é a unica saída. Entender e aceitar.

Anos depois, foi minha mãe, sobressaltadamente também. A tristeza consome e o mistério todo dos porquês imensos que ficam em nossas cabeças numa hora dessas, nos remetem a um bombardeio de emoções, lembrando da nossa fragilidade, impotência diante desses mistérios, diante da vida. Entendo o mistério todo da morte e, claro, não vivo em prol de alimentar sentimentos de morte, até porque vivo a vida muito intensamente, mas, ao rememorar sentimentos de carinho e amor, me lembro dela , sim, tambem. 

Sei que ninguém gosta da morte, mas eu não gosto de tal forma que choro até mesmo se a morte for de um não conhecido meu. Fico rememorando perdas que já tive, de entes muito queridos assim, aos quais me sobressaltaram, deixando um sentimento de perda, vazio, uma dor impassável, a sensação de frustração que a morte sempre traz. Sempre que estou com amigos, pessoas queridas, por exemplo, penso em como sentirei falta do cheiro deles, do calor do corpo, das expressões, até da ausência. 

Dia de finados é uma data que traz uma certa consternação. É relembrar a morte dos entes queridos. Mas eu não preciso do dia de finados, porque a falta que sinto dos que partiram e realmente deixaram marcas e fazem ainda falta é constante. Eu preciso sempre é de dia de vivos, todos os dias. Preciso bater na minha cara, pra eu poder dar mais valor aos que estão perto de mim, dizer aos vivos coisas que eles precisam ouvir para torna-los melhores, limpar os 'túmulos' do meu coração, dos que ainda estão vivos, trocar a água dos vasos que ornamentam as amizades sinceras. Eu preciso escrever um epitáfio enquanto viva, com letras grandes, sentir o calor da escrita, da mão que escreve, sentir a respiração de quem está limpando meus mausoléus que me sustentam viva também. No mais, eu ainda não sei o que escrever no meu epitáfio, ou daqui pra la vou deixar alguma coisa que valha a pena pra ser escrito ali..

Enquanto isso..em vida, meu epitáfio é ainda, com a caneta na mão, respirando. Não está pronto...estou viva.

Comentários

sergio marcone disse…
vc já pensou emm publicar essas suas "crônicas"? seria uma boa. pense...

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