Azulejo branco.

Quando eu era criança, sempre separava algumas coisas que me eram especiais. Tinha essa mania. Desde a um azulejo no banheiro, que toda vez que tomava banho, tinha um cuidado de lavar com sabonete e adorava saber que ninguem sabia que ele era MEU, a pequenas coisas que todo mundo até poderia ter igual ou semelhante, mas, melhor que o que eu tinha, jamais. Um azulejo, igual aos outros, diga-se de passagem, mas eu sabia que aquele era meu e eu cuidava dele. Lembro-me que na escola tambem tinha uma arvore que eu sempre ia 'conversar' com ela. Era minha amiga e só minha e eu tinha o cuidado de nunca mexer os lábios quando estava 'conversando' com ela, pra que ninguem soubesse que ela existia e quisesse depois indagar sobre o assunto, estranhando eu estar ali conversando, enfim.  Morávamos numa casa enorme que tinha uma área que chamávamos de 'posse'. Como adoro gatos, conseguia 'domar' todos os gatos que chegavam ali, ia colocando leite, comidinhas e eles acabavam ficando. Pra mim eram tambem meus amigos. Nem todos ficavam, mas um sempre era especial. Minha boneca mais querida não era a mais nova, a mais bonita, era uma bonequinha chamada 'Vivinha', que não tinha braços, era pequenininha e não tinha um fio de cabelo na cabeça. Ela era pra mim a mais especial. Quando fui crescendo, percebi que sempre tive o defeito (ou virtude) de sempre olhar e prestar atenção a alguma coisa que ninguem olhava nem percebia. Eu sempre fiquei procurando isso. Embora olhasse os rapazes, por exemplo, bonitos, os tidos como feinhos, magrelos, gordinhos, 'diferentes' me chamavam a atenção e, como sempre fui bonitinha (sem querer ser pretensiosa), me criticavam por isso. Da mesma forma as preferencias gastronômicas. Sempre gostei de tudo que é coisa, mas mais ainda coisas amargas, pratos diferentes. No dia que experimentei o 'chimarrão', por exemplo, senti como se tivesse bebido a bebida mais doce do mundo. À medida que fui crescendo, isso foi se potencializando, creio eu, em minhas escolhas, ainda, mas tambem, no que se refere ao espiritual, ao movimento todo de crenças e valores. Questiono até hoje o imediatamente belo, o que chega primeiro, o que é povão, o que 'todo mundo vai'. Me atrai o excentrico, já que há sempre uma certa subjetividade, idiossincrasia, mistério no que ninguém quer ir, ou ver, ou sentir, mesmo que o excentrico seja igual a um outro, como MEU azulejo. Já lamentei muito e adoeci tristemente, ao constatar que isso leva meio que ao isolamento, já que tambem as pessoas que se colocam como muito 'populares', não tem de mim mais meu apreço, mas meu afastamento. Eu odeio Realitys Shows e acho que 'todo mundo' gosta porque não sabe o quanto é bom não gostar de algo tão chato. Eu prefiro meu azulejo no banheiro ainda. Gente escondida, que dentro de si vem trazendo todo dia um quezinho de mistério. Gente que me surpreende.Quando eu era criança eu não sabia que isso é talvez uma qualidade, e nem imaginava que era um tão grande defeito, que levaria a uma dor de isolamento, incompreensão e muitas vezes solidão. Entendo hoje meu preconceito explícito aos outros 'azulejos', já que passam a não me interessar mais. Preconceito porque eu não os acho mais interessantes. Nem as outras tantas arvores da escola. Não me interessam os grandes estádios, cheios. Eu quero apenas uma pessoa que valha por mil estádios cheios, ao meu lado e o que tem de gente 'estádio vazio' por aí não ta no gibi. E gente que se acha ainda alguma Coca-Cola, mais linda e mais porretona. Não me interessam mais grupinhos fechados de pessoas que não se respeitam, prefiro um ou dois amigos que sabem e entendem a natureza humana, sem competições e invasões imbecis e continuar dando risada da vida e das suas pegadinhas. Eu cresci e sou ainda aquela que escolhe uma coisa ali, sei que é minha, mas não quero e nem preciso que ninguém faça juízo de valor. Me faz feliz e pronto, seja o que for, quem for. O azulejo no banheiro era igual, da parede que, em criança me parecia enorme, mas eu sabia que aquele ali era o meu...eu sabia..e ele tambem sabia, e isso bastava. 

Comentários

Anônimo disse…
Amiga,
Acho que estou dependente e viciado em tudo que você escreve. Cada vez que leio seus escritos me questiono e faço uma análise sobre pessoas e coisas ao meu redor, e o melhor??? Tendo me tornado uma pessoa mais sensivel e seletiva. Obrigado por você ser tão bacana e presente em minha Vida. Bjo.
Di
Tudo Por Helena disse…
Di! Ailoviu! Voce é um azulejo meu...
Fernando Menucci disse…
Bom pra caramba, hein? Encontrei seu texto pesquisando justamente... azulejos!

Sei que escreveu isto há tempos e tampouco deve acompanhar ainda esta postagem. Mas você merece os meus parabéns. Valeu, moça!

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