O palhaço de Kierkegaard e a crise climática.

"Assim, suponho eu, é a forma pela qual o mundo vai acabar no meio da hilariedade geral dos gozadores e galhofeiros que pensam que tudo, em fim, não passa de mera gozação."
(Sören Kierkegaard)

Depois dos alarmantes relatórios do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC) o pior que nos pode acontecer é deixar as coisas correrem como estão. Então iríamos alegremente ao encontro de nosso próprio fim. Tal atitude me faz lembrar o conhecido aforismo de Sören Kierkegaard (1813-1855), famoso filósofo dinamarquês, sobre o clown, um palhaço de circo. O fato, conta ele, é que estava ocorrendo um incêndio nas cortinas do fundo do teatro. O diretor enviou então o palhaço que já estava pronto para entrar em cena, avisar a toda a platéia do fato. Suplicava que acorressem para apagar as chamas. Como se tratava de um palhaço, todos imaginavam que era apenas um truque para fazer rir as pessoas. E estas riam que riam. Quanto mais o palhaço conclamava a todos, mais esses riam. Pôs-se sério e começou a gritar: "o fogo está queimando as cortinas, vai queimar todo o teatro e vocês vão queimar junto". Todos acharam tudo isso muito engraçado, pois diziam que ele estava cumprindo esplendidamente seu papel. O fato é que o fogo consumiu o palco e todo o teatro com as pessoas dentro. Termina Kierkegaard: "Assim, suponho eu, é a forma pela qual o mundo vai acabar no meio da hilariedade geral dos gozadores e galhofeiros que pensam que tudo, em fim, não passa de mera gozação".
Estas palavras de Kierkegaard se aplicam perfeitamente a muitos cientistas, empresários, bispos e até a gente do povo que pensam ser o aquecimento global uma grande enganação ou um alarme desnecessário. Dizem que o fenômeno é, em grande parte, natural e que a Terra tem condições por si mesma de encontrar o equilíbrio ótimo para a vida. E vivem como os ricos do Titanic, rindo e se afundando.
Por outro lado, muitos são os que tomam as advertências a sério, Estados e grandes instituições, também entre nós. Sabem que se começarem agora, com apenas 2% do PIB mundial, poderão equilibrar o clima global e continuar a aventura planetária com perspectivas de esperança. O fato inegável é que estamos face a um problema global. Não afeta apenas este ou aquele ecossistema ou região; mas, seu conjunto, a biosfera e o inteiro Planeta. Somos todos interdependentes e as ações de todos afetam a todos para o bem ou para o mal. Tardiamente, só a partir dos anos 70 do século passado, ficou-nos claro que a Terra é um superorganismo vivo, Gaia, que regula os elementos físicos, químicos, geológicos e biológicos de tal forma que se torna benevolente para todas as formas de vida, especialmente, da nossa. Agora, dada a intervenção prolongada e persistente do processo produtivo mundial, ela chegou a um ponto em que não consegue sozinha se auto-regular.
Precisa de nossa intervenção que vai muito além de apenas preservá-la e cuidá-la. Temos que efetivamente resgatá-la e curá-la. Pois, em termos cósmicos, é um planeta já velho, com recursos limitados e dificuldades de auto-regeneraçã o. Como somos o principal agente desestabilizador pode acontecer que ela não nos considere mais benevolentemente e queira continuar sem nós. A dinâmica do processo de produção e consumo ilimitados não consegue manter o equilíbrio do planeta.
Somos obrigados a mudar na linha do que sugere a Carta da Terra: assumir um modo sustentável de vida. Este somente se alcançará mediante a cooperação mundial e a percepção espiritual de que o planeta é Terra-mátria, prolongamento de nossa própria existência terrena.
Oração de Kierkegaard Sören Kierkegaard
Um Deus que quando mostra sua face não faz tremer o mundo, não é Deus - é uma fantasia.
Pai celeste! Quando o pensamento sobre ti se desperta em nossa alma, faze que não desperte como pássaro amedrontado e desorientado que esvoaça aqui e ali, mas como o menino que acorda com seu sorriso celeste De tua mão, ó Deus, queremos aceitar tudo. Tu a estendes e derrubas os poderosos em sua estultícia. Abre tua doce mão, e tudo o que vive se enche de bênção.
(Leonardo Boff)
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Soren Kierkegaard nasceu na Dinamarca. Filosofo e teólogo é referenciado como o fundador do existencialismo. Certos traços da sua personalidade, mas também do seu pensamento costumam ser associados a diversos fatos da sua vida: a educação autoritária que recebeu do pai; a morte de duas irmãs; uma vida agitada até aos 25 anos; uma "revelação espiritual"; um noivado que reconhece como um "erro" e que o leva a romper com Regine Olsen (1841). Episódios com os quais os seus comentadores procuram explicar as suas obras. Kierkegaard foi um feroz crítico do cristianismo de sua época.

Comentários

Anônimo disse…
Primeiramente, gostaria de mostrar-me feliz por encontrar mais um(a) feirense na blogosfera. Em relação ao texto, acho brilhante a metáfora de Kierkegaard; estamos, sim, banalizando nosso fim. A questão climática, é consenso entre os estudiosos, é um dos grandes (se não o maior) problemas a serem resolvidos nos próximos anos. O problema é convencer as pessoas a se tornarem palhaços, ou pelo menos crer neles.
Anônimo disse…
vou ler depois com calma...

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