É mais ou menos assim: se for, foi, se não for, não foi. Falta ou sobra, tanto faz. Gente ou solidão, dá no mesmo. Saber-se amado, odiado, não faz diferença. Quando eu era adolescente, adorava encontrar amigos que sentassem comigo e ficassem horas conversando sobre as coisas da vida, principalmente dos problemas, que imaginava irresolúveis. Gostava de filosofar, transformar situações cotidianas em historias fantasticas, desilusões amorosas ou familiares em temas sofregamente conversados por horas e horas. E encontrava estes amigos que fizessem isso. Quando a gente é adolescente é muito idiota mesmo. Hoje, cada um é por si, cada qual com seu cada qual e já tá de bom tamanho. E continuamos idiotas. Não há mais preocupação exagerada com o outro. Tanto faz. O tal 'vazio interior' que tanta gente sente. É isso. É um tanto faz doído as vezes, mas é um tanto faz. No meu caso muitas vezes me pego em preces intermináveis para que a vida ou o que quer que seja amplie meu 'tanto faz'. É, pode parecer cruel, duro, insensível, desumano, cruento, mas é a mais pura verdade. O meu 'vazio interior' é um tão grande 'tanto faz' que eu gostaria de poder ter poder (portugues legal: "poder ter poder"..) de por algum tempo, algumas horas, adormecer, perder a memória, sei lá, de forma que esquecesse todo mundo, tudo ao redor. Não, não é raiva nem desprezo por ninguém ou situação. "E ali fiquei embriagado numa plenitude de ensimesmamento, de quietude ioguista”, como diria Padre Antonio Vieira (Sertão Brabo). E quanto ao desejo ao outro, amor ao outro, coisas 'ao outro', ao menos em mim, entra no bolo. E as coisas prá mim tambem entram. Fica ali, no oco interior. Um oco, vazio, talvez útil, mas decerto hostilizado, quando duradouro. Falo em vazio interior porque você sente mesmo moscas zumbindo por dentro, aliás, quer ouvi-las e não consegue. Um silêncio de alma, de um não-amor, de uma não vontade, de apenas um eco quando você ao menos se move, para fazer algo. Eu tenho um vazio interior momentâneo, mas é assim de 'tanto faz'. Dançar, ler, rir, conversar, bate e volta com a mesma intensidade de uma folha caindo. Não é tristeza, nem melancolia, nem alegria. E é um nada. O permitir-me a ilusão de mistificar, a uma contemplação espiritual, procurar atingir o estado extático (de êxtase, para meus corretores de plantão), de união direta com a divindade quando estou neste 'momento oco' é também inútil, ineficaz. Falo em voz alta até as orações. Se dentro não tem nada? Nem teias de aranha. Os ciscos nem tampouco. Não me venha dizer que meu vazio é do tamanho de Deus, como eu já ouvi tanto na igreja. Não, não é. Pode ser quase do mesmo tamanho, sendo bem irônica, mas, não é. Deus é respeitado e me respeita tambem quando não deturpa meu 'vazio interior', afinal, ele não é aborrecido. Eu não sei se gosto ou não. Se não sinto nada, como saberia? Então, nem me venha com a tal mistificação que também não se enquadra. É esperar passar mesmo. O vazio interior, não a percepçãp dele. O que sei dele fica e quando ele vem de novo já sei o que fazer ou nem adianta saber, porque não funciona mesmo. Tá vazio. Não há mesmo amor a ninguem hoje, não há ódio, não há guerra, nem paz, nem vontades. Nem o nada eu sei o que é, e se soubesse dizer o que é, quão inútil seria, já que nada existe aqui. O oco do mundo. Ta aqui dentro. E é só mais ou menos assim.
'...todas as cartas são...'
Cartas, ah, as cartas de antigamente. Só quem cresceu escrevendo e recebendo cartas entenderá meu saudosismo. As cartas eram ansiosamente esperadas, talvez porque fossem as respostas ao que havíamos perguntado, mas também porque eram, sim, um bálsamo finalizador e curador da tal ansiedade em recebe-las. Para mim era sempre um ritual escrever cartas. Desde pequena minha mãe me ensinou toda uma aristocrática e tradicional forma de escrever cartas, do início ao final, até à postagem. Me colocava sentada na mesa da sala grande da casa onde morávamos, pegava aquele bloco de papel que era específico para escrever cartas, com aquelas folhas fininhas, delicadíssimas, e, de início, por ser pequena, escrevia com lápis, para poder apagar os prováveis e normais erros pueris. Aos poucos pude ir escrevendo de caneta. Começava sempre e invariavelmente com o cabeçalho, tipo: "Itapetinga, 22 de novembro de 1975". Depois, cerca de 3 linhas abaixo, a saudação: "Querida prima, Lau
Comentários