Ah, essas datas..Dia das mães, dia das crianças, dia de tanta coisa. Só pra todo mundo ficar em polvorosa. A maioria pensa sim no que vai dar ou fazer pro seu pai. O meu pai faz aniversario esse mes tambem, dia 26, e eu acho ótimo, já que geralmente ligo no dia dos pais e se der um presente, ou se for me encontrar com ele, deixo pro tal aniversario. Fico incomodada em ter que ter essa obrigação de ligar. Minha mania de não gostar de coisas óbvias, ainda mais quando se trata do meu pai. Aprendi a ama-lo e aceita-lo como é faz algum tempo já. Na verdade, meu pai era um antes da minha mãe morrer e depois virou outra pessoa. Será? Que nada. Eu que mudei meu jeito de olha-lo. Antes da minha mãe morrer meu pai era aquele homem meio sisudo, um tanto aristocrático e conservador demais. Machista até o talo. Mal encostava na cozinha de casa e se algum prato na mesa estivesse morno, era um bafafá, tinha que estar quente. Minha mãe sempre tinha queixas dele, por conta dessas coisas. Mas eu sempre ouvia aqui e ali coisas da boca dele mesmo como: "..vou comprar uma chácara pra plantar muita fruta e ir pra lá morar, mulher!". Meu pai sempre foi um filósofo. Professor. De português, a vida toda. Era engraçado vê-lo montando cavalo na roça do meu avô, todo sem jeito. Ele comprava revistinhas (gibis) pra gente (meus dois irmãos e eu) desde pequeninhos e estimulava sempre a leitura e a boa educação sempre. Da infancia mais tenra lembro que eu gostava de me pendurar no seu 'muque' e ficar me balançando. Seu escritorio era lindo, a estante de livros era enorme, embora fosse ficando cada vez menor à medida que fui crescendo (era grande porque eu era pequena?). Não, era grande mesmo. Eu gostava de sentar em sua cadeira da mesa do escritorio e ficar ali, só olhando mesmo pras coisas da mesa. Uma mini estatueta de Rui Barbosa, com direito a bigodão e tudo. Canetas, lápis. Provas a corrigir. Mimeógrafo. Ele tinha todas as coleções de Machado de Assis, Jorge Amado e muitas outras. Como era professor, ia acumulando aqueles livros didáticos e paradidáticos e eu lia e lia e lia todos. Gostava de sentar no chão sempre da sua 'biblioteca' e ficar ali, horas, lendo. Lembro-me da sua maquina de datilografia, grandona, que ninguem podia encostar o dedo, ainda mais eu que era só o dedinho mesmo que eu encostava. Achava aquela maquina uma coisa parecendo um robô na época. Eu sentia vontade de teclar todas a teclas de vez e uma vez claro que fiz isso. As letrinhas se engancharam todas. Achei que meu pai iria descobrir e eu estava prestes a apanhar que nem mala velha (embora ele não me batesse), mas ele não falou nada, só foi la e desenganchou. É, ele não me batia, mas batia em meu irmão se ele triscasse o dedo em mim, mas tambem meu irmão era um capeta. Sou a caçula e ele, meu irmão, se aproveitava disso e eu tambem, claro. Bem, depois que minha mãe morreu, um mês depois já estava casado com outra mulher e hoje chega-se na cada deles, ele está na cozinha tratando carne, ajudando nos afazeres da casa. Fico refletindo se foi minha mãe que o acostumou mal. Sei lá. Meu pai não é muito de se preocupar com os filhos, esquece as datas de aniversários de todos, agora tambem até dos netos. Aliás, sempre. Mas é um homem bom, íntegro, me ensinou e aos meus irmãos todos os bons valores da vida e eu resolvi ama-lo. Só ama-lo, incondicionalmente, sem questionar mais nada, se ele é bom, ruim, egoísta, ou qualquer outra coisa. A vida me ensinou isso. Na verdade família é isso. Meu núcleo pequeno, eu, minha irmã mais velha, meu irmão do meio e meu pai são o que me resta do que considero como o que existe de mais próximo ainda e foi melhor eu parar de ficar procurando chifre em cabeça de cavalo e cabelo em ovo, questionando valores, jeitos, perfis, comportamentos, reciprocidades. Meu pai tem o jeitão dele mas eu o amo assim mesmo e pronto. E ponto. Amanhã vou ligar sim pra ele e dizer isso mesmo, antes que seja tarde e perca até essa oportunidade, num dia dos pais...
'...todas as cartas são...'
Cartas, ah, as cartas de antigamente. Só quem cresceu escrevendo e recebendo cartas entenderá meu saudosismo. As cartas eram ansiosamente esperadas, talvez porque fossem as respostas ao que havíamos perguntado, mas também porque eram, sim, um bálsamo finalizador e curador da tal ansiedade em recebe-las. Para mim era sempre um ritual escrever cartas. Desde pequena minha mãe me ensinou toda uma aristocrática e tradicional forma de escrever cartas, do início ao final, até à postagem. Me colocava sentada na mesa da sala grande da casa onde morávamos, pegava aquele bloco de papel que era específico para escrever cartas, com aquelas folhas fininhas, delicadíssimas, e, de início, por ser pequena, escrevia com lápis, para poder apagar os prováveis e normais erros pueris. Aos poucos pude ir escrevendo de caneta. Começava sempre e invariavelmente com o cabeçalho, tipo: "Itapetinga, 22 de novembro de 1975". Depois, cerca de 3 linhas abaixo, a saudação: "Querida prima, Lau...
Comentários
esse texto me faz pensar em duas coisas:
no momento em que uma pessoa se torna adulta e consegue olhar seus pais como pessoas falíveis - seus erros acertos, qualidades defeitos - e como essas características influenciam os filhos
e no quanto a morte de alguém muito próximo é capaz de modificar uma pessoa. Talvez porque essa ausência nos faça notar o quanto somos mortais e tentarmos nos arriscar a viver de uma outra forma antes que chegue a nossa hora
é um texto delicado, cheio de lembranças.
beijo!
SAC