Expectativa versus desapego.


Expectativa versus desapego. Aprendi com o tempo a praticar o desapego. É. Mas é como aquele viciado que tem que matar um leão por dia. O cachaceiro que não pode tomar o primeiro gole. Tem que ser uma 'luta' diária. Uma vez eu estava em uma situação de anos de insatisfação. Era uma situação de insatisfação velada, obtusa, meio confusa, porque o conforto se misturava a um desconforto emocional, que eu não podia mais aguentar e ninguém podia enxergar. Vinha de dentro mesmo. O exterior era perfeito, confortável, enquanto que o interior estava árido e a atmosfera era de explosão, como a camada de ozonio, que vai aquecendo. Não suportando mais, tive que, num ímpeto de certa insanidade, me desapegar do exterior, do externo, do que tinha, para lutar pelo que ninguém podia ver: o que estava dentro de mim. Lutar pelo, contra, a favor, de todas as formas e buscando todas as armas possíveis. Infelizmente se fica nu quando se quer praticar o desapego. Armaduras, por mais que se tente usa-las, são pesadas demais e acabam por prejudicarem a guerra, a peleja. Há que se ficar nu, despido. Mas as armas são fatais e existem. O desapego se mostrou para mim ha mais ou menos 10 anos atras. Não que eu quisesse saber dele. Aprendi e tive necessidade de incita-lo em mim, para poder sobreviver nesse mundo belicoso, insano e cheio de armadilhas. O principal inimigo e inibidor do desapego é a expectativa. Consegui enxergar a danada da EXPECTATIVA ali, parada, forte e impávida. Para mim, na maioria das vezes, ela atrapalha qualquer relação que eu quisesse ou queira ter com alguem, ou coisa. Olhei bem dentro dos olhos dela e fui desafiando-a. Ela atrapalha qualquer coisa, porque se estou no processo de desapego e ela aparece, os meus olhos brilham, meu coração se enche de esperança e atrapalha uma mudança de modelos no que tange a sentimentos. É dose. Amores, pessoas, coisas. Se desejo muito comprar um objeto, por exemplo, crio sobre ele toda minha expectativa, pupilas dilatadas, desejo, e se aquele objeto apresenta uma falha, umazinha sequer, aquem do esperado, já me frustra. Sem expectativas demais, ele será sempre benfazejo e praticando o desapego consigo até pensar em ter outro melhor ou igual, sem a menor nóia. Se ele fica ali, bonzinho, pra sempre, será melhor ainda. Não, eu não deixo de amar, apenas me desapego, para poder ter destas pessoas e coisas a melhor parte delas, a liberdade de me amarem, ou não. De estarem comigo ou não. Se me apaixono perdidamente por outro ser humano e sei que ali é um terreno que não posso pisar, embora esteja apaixonada, o desapego logo vem, sorrateiro, mostrando suas asas, seus tentáculos, me acalentando, me limpando os olhos, os sentidos, se mostrando como um monstrinho bondoso, numa luta ferrenha contra a monstrinha não menos afoita que é a expectativa. Se deixo que a expectativa apenas se levante, sem desenvolver e praticar o desapego, o sofrimento é fatal. O outro sofre com cobranças, a maioria fruto de um ego, de um id, de uma mente possessiva e cheia de sentimentos ruins, que sei que posso ter. Melhor assistir travar essa luta. Melhor prestar atenção às armas usadas por essas duas milícias. Já sofri muito mais tendo que ver pessoas que eu mais amava sendo afastadas de mim, ou eu ter que me afastar destas, apenas porque eu precisava caminhar por caminhos que eram necessarios, por conta do que disse antes, a luta contra o externo e o interno e só alimentar as expectativas, sem ao menos enxergar que o desapego estava ali. Hoje o sofrimento é bem menor (se houver sofrimento), já que já detectei que existem essas duas forças: desapego e expectativa. Uma sempre observando e espreitando a outra, e eu no meio, ora sufocando, ora colocando as duas na rinha. A liberdade é a mola mestra para impor ao meu ego o respeito ao outro. O amor próprio, a satisfação individual, o saber viver só antes de viver em dependência emocional a outrem, é a mola mestra para o desenvolvimento do desapego. Pela manutenção de outros tipos de relações como a amizade, o respeito, a aceitação mútua, a boa sobrevivência num país injusto, pratico o desapego e inibo expectativas. As expectativas são naturais, mas são a causa das mais altas viagens mentais, das maiores ilusões, tanto no mundo real, como no da consciência, quando prioritariamente alimentadas. Quantos não chegaram pra mim e me disseram que eu era 'desapegada' demais a coisas, bens, pessoas, apenas porque abri mão (e ainda abro) de valores e coisas que outros dão tanto valor, como dinheiro, status, beleza, vaidade, enfim, nessa linha. Não me acho martir, nem boazinha, nem ruizinha por causa disso, mas sentar numa arquibancada e assistir a mim mesma conseguindo tanta mudança, tanta felicidade interior, por causa de uma coragem intrínseca e cortante de me desapegar antes de amar profundamente a algo, ter essa probidade, essa consciência, me faz jamais perder de vista esse aprendizado. É diário, é cabal, é lindo. As expectativas vão vindo sorrateiras e eu, antes de acalenta-las, entrego-as ao desapego, fazendo delas refens. Vivo melhor e consegui amar melhor depois dessa percepção. Quando a lágrima vem, a tristeza, por estar no processo do desapego (porque a tristeza é normal e faz parte) lembro-me do quanto penei até chegar aqui e do quanto terei ainda que aprender. Há tambem a alegria por conseguir o desapego de coisas ruins muito mais facilmente, de pessoas detectadas facilmente como ruins, odiosas, desprezíveis. Mas minto...ou omito..Eu tenho uma expectativa, egoísta, egocentrica, que jamais me desapegarei: ser feliz pra caramba. Vão brigar? Nessa briguinha aí, só nessa, estarei no meio. Mas é só nessa.

Comentários

Eu achei loka de mais Helen, essa história de desapego...O pior de tudo,é que temos que ter muita força para aceitar isso de uma forma natural, é difícil!! mas não impossivel...Tipo, perder um pai, uma mãe...e ai vai né??A vida tem dessas coisas... Só não me desapego a deus...
Anônimo disse…
adorei tudo que vc disse, e ja tive uma experiência a 1 ano atraz, passei por uma perda mto dificil, uma separação, e me obriguei no extase da dor a desapegar desse homem. so q qdo estava livremente desapegada e feliz, sem expectativas e amando-o ainda q sem te-lo, ele voltou. dizendo q era ao meu lado q desejaria ficar pra sempre. os 1s dias foram otimos, tdo perfeito, ja n existiam ciúmes ou cobranças, nos amavamos livremente, como se estivessemos na lua de mel.mas logo começaram as cobranças das saidas e os ciumes novamente, as brigas eram constantes, dia a dia, até chegarmos ao fim...

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