"..é que eu preciso dizer que TE AMO" (Cazuza)


Parei de dizer. Virou banal demais. Lembro-me que comecei a namorar 'na porta' aos 13 anos pros 14. Aos 14 comecei a namorar o pai dos meus filhos. Eu tinha 14 e ele, 17 anos. Aos 17 anos fiquei noiva e aos 18, casei. Quase próximos ao casamento começamos a dizer um ao outro "Eu te amo". Dizíamos: 'te gosto muito', 'adoro você', nos inúmeros cartões trocados, LP's que adorávamos dar um ao outro de presente (os LP's eram ótimos cartões, com espaços gigantes, onde a dedicatória era quase um livro), nas cartinhas, postais quando viajávamos, mas o "Eu amo você" demorou a ser verbalizado. Era preciso se ter certeza. O peso disso era enorme para nós dois, que nos sabíamos novos, começando agora a vida, experimentando a convivência. Ainda me lembro que uma vez ele viajou a Buenos Aires numa excursão e todos os dias me mandava um postal. No final de cada um ele escrevia, ao invés de um 'Eu te amo', um sempre igual e melodioso: "te gosto muito" ou 'Gosto por demais de você, não esqueça.".

Quando finalmente, num momento bem especial dissemos um ao outro o 'EU TE AMO', o céu parecia que ia se abrir e uma orquestra de anjinhos descia sobre nós dois. Uma nova perspectiva se abria. O gostar se modificou, veio o amor verdadeiro porque nos conhecíamos, sabíamos das nossas diferenças e agora sim, podíamos afirmar com propriedade que NOS AMÁVAMOS. Fico observando hoje em dia como em tempos de tecnologias velozes, mídias sociais (Orkut, MSN, Twitter, etc), principalmente os adolescentes e até adultos, independente de gênero, dizem esta frase sem pestanejar. É um tal de 'Eu te amo', 'Te amo', 'Amo muito', pra cá e prá lá que tem dado tanto entojo disso. É..entojo mesmo. Vejo relações até entre profissionais e clientes, patrões e funcionários, amigos e amigas, colegas de trabalho, etc, sendo confundidas com outros tipos de relações onde essa frase participa e essa troca exagerada de amabilidades ultrapassa todos os extremos do que realmente deve ser que eu pergunto: O que é o amor?

Claro, a Bíblia mesmo diz para amar ao próximo. Mas peraí..por que eu vou, a partir de um amor que não se desdobrou ainda nem em um superfiacial conhecimento a em, por exemplo, CONFIANÇA, sair por aí apertando a mão de todo mundo e dizendo que amo, se eu REALMENTE não amo? Salvo as definições de AMOR, a VERBALIZAÇÃO disso deve sim ser restrita a muito poucas experiencias e pessoas. Muito poucas. A banalização dessa frase já é tão grande que não se sabe mais a quem se ama. O que diz AMAR demais à mulher hoje, amanhã a agride, mata, violenta, por exemplo. Eu mesma já me peguei sentindo um carinho, consideração e até outros sentimentos por amigos e outras pessoas que achei que fosse amor e não era. Há ingredientes sim do GRANDE AMOR mas há que se separar os sentimentos. O apreço a alguém a ponto de dizer um 'EU TE AMO", especial, individualista, detonador de quaisquer outras possibilidades, exclusivista (por que não?), acentuador de sintonias e cumplicidades inerentes apenas aos que trocam sim um AMOR especial, é e deve ser preservado.

Nasci na igreja evangélica e nossa..Ô coisa que me irritava quando o pastor pedia que os 'irmãos' dissessem uns aos outros que se amavam. As vezes pediam apenas (isso acontece até hoje, embora eu não frequente mais a igreja) que olhassem pro 'irmão' ao lado e dissessem isso. Eu nem conhecia a criatura, como vou AMAR de verdade a quem não conheço? Não, a verbalização do amor especial, sublime, precisa ser resgatada. Num relacionamento recente eu não disse que amava. embora ele vivesse repetindo compulsiva e alucinadamente a tal frase. Eu precisava passar sim pelo crivo do tempo, pelo fogo da confiança e de tantas outras coisas que me trazem a paz de DIZER algo que pra mim é muito especial. Via, entretanto, vários e várias 'amigas' e amigos dessa pessoa dizendo tanto, e tanto, de forma tão banal 'Eu te amo', que eu não sentia necessidade de DIZER, mais ainda. Ele já ouvia o bastante e seria igual. Não, seria da minha boca, seria especial. Discordo. Eu disse sim, em atos que NUNCA vi de nenhum desses amigos, na hora do aperto, da prova eficaz de AMOR mesmo, dizerem. Só que eu estava provando esse amor pelo TEMPO e acho que meu amor talvez fosse até maior que o dele. Provou-se então, que realmente, o 'amor', a tal frase que ele tanto VERBALIZAVA não passava de uma confusão mental de carência afetiva, misturada com uma possessividade quase beirando à auto-destruição em detrimento do outro (e o outro nesse caso era eu). Pus fim a isso, já que amor pra mim se desdobra antes em uma infinidade de coisas, até pessoais, de amor próprio, caráter, fidelidade, respeito , entre outras coisas (que ele não tinha) até se chegar a uma verbalização segura do que se sente pelo outro.

Digo que amo, num soar alto de vários "EU TE AMO", por exemplo, aos meus dois filhos, que sei, por raiz e verdade, que amo mesmo, INCONDICIONALMENTE. Esses 'Eu te amo" por aí eu dispenso a maioria deles. Não tem consistencia, não são provados peo tempo, pela dor, pelo abandono, pela situação muitas vezes probatoria quando se percebem crescimentos individuais. Há imprevisibilidade, é torpe, banal demais e soa como um "Você é legal", por exemplo.

Banal demais, pouco ao extremo. Trivial, vulgar muitas vezes. Corriqueiro demais para um mundo tão cheio de relações fugazes, fugidias, efêmeras. É muitas vezes os Manoéis Carlos da vida que hoje trazem um par se amando e trocando juras de amor e os "Eu te amo", e amanhã já estão com outros alvos e dizendo de novo que amam, e assim vão. É uma banalização desta frase tão grande que a violeencia tão aumentada é embotada, não se sabe quem se ama de verdade, se todos dizem se amar. Não dizia e agora mais ainda. Já sei o que é o amor de verdade sim e só direi o EU TE AMO quando acima de tudo, o TEMPO tiver provado que o amor é real, nem que seja em intensidade e dentro de 4 paredes, cheio de uma sonoridade que só eu, só eu saberei..

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