Jiló e chocolate.
Eu sou do tipo de pessoa que come de tudo. Não me lembro nesse momento de nenhum tipo de alimento que eu não goste, a não ser talvez a maluquice tailandesa de comer insetos fritos, mas mais por ser entomofóbica (ter pavor de insetos) do que pelo alimento em si. Tudo me apetece. De carnes a frango, a peixe, frutos do mar, legumes, verduras, comidas exóticas, sopas, massas, enfim, tudo.
Em conversas com amigos sobre preferências gastronômicas, fico até meio envergonhada, já que tudo que eles citam, seja por gostarem, ou por odiarem, eu digo: 'ah, eu adoro isso'. Poderia ter uns 40 a 50 quilos a mais do que tenho, por adorar comer e não ter problemas quanto ao paladar.
Mas eu jamais, como meus amigos (hehehehe..esse 'jamais, como meus amigos ficou meio duplo sentido), que têm lá suas preferencias bem definidas, comeria alguma coisa de que não gostasse. Eles estão certos. Seria, ao meu ver, um estupro, uma agressão ao paladar, ao estômago, ao organismo. Mesmo sendo saudável, aprazível, sedutor, se o paladar não se agradar, se o cérebro rejeitar, não há porque forçar a natureza, comendo alguma coisa que não lhe fará bem, não lhe dará prazer e não lhe deixará confortável.
Estava pensando agora e descobri uma coisa que jamais faria, em analogia a esse meu paladar generalizado: eu não MAIS ESTUPRARIA MEU CORAÇÃO. Já estuprei, forcei, agredi e consequentemente rejeitei algumas pessoas, fazendo-as sofrer muito, já que pessoas são diferentes de coisas e alimentos, apenas por ter forçado a minha natureza, estuprado meus desejos, e aceitado estar com outra pessoa talvez por oportunismo, egoismo ou necessidade biológica (sexo). Mas tendo feito isso uma ou duas vezes, cresci, talvez tenha amadurecido e, não mais o faço.
É um estupro da minha alma. Independente do que a pessoa seja, boa ou linda, do que ela faça, sinta, queira, do tamanho do amor que ela sente por mim ou de qualquer outro motivo. Não tenho o direito de agredir meu 'intestino' sentimental (nem o de outrem), apenas pela simples necessidade de suprir minhas carências. Fico com fome. Me torno então inapetente sentimentalmente ou simplesmente fico só, canalizando minhas carências para o que quer que seja, mas USAR pessoas para satisfazer minha 'fome' de afeto, sexo, amor, não mais.
Conheço pessoas que comem de tudo, como eu sou com relação a alimentos, mas com relação a pessoas e sentimentos. Se colocam em situações confortáveis, em se tratando de relações com uma pessoa, nutrindo, por exemplo, um amor ainda por outra, sendo oportunista e usando essa outra, apenas para manter seu corpo e mente alimentados de afeto, carinho, e de várias outras coisas que nem preciso dizer aqui, como conforto financeiro, etc.
Transformam jiló em chocolate e chocolate em jiló. Vão prá cama com um jiló pensando numa barra de chocolate. Comem um pedaço de afeto e vomitam oportunismo. Eu cresci, já comi e experimentei afetivamente de muitas experiências e não mais estupro meu coração. Não mais. Comerei apenas o que meu corpo, mente e espírito aprovarem. Meus valores tambem. Morro de fome, mas não comeria algo que eu não gostasse muito. É comer sem fome. É querer bulímicamente vomitar sempre depois de comer. Amar sem querer, como comer sem querer. É, mesmo de barriga cheia, sentir-se vazio e sempre com fome e raquítico. Anêmico, mesmo tendo à mão a comida que lhe serve ao dia.
Eu gosto de jiló e de chocolate. Mas um de cada vez e com toda a plenitude que qualquer um destes me ofereça. Sem estuprar meu coração, nem usar nenhum dos dois só para matar minha fome. Vira sanduiche querendo um banquete, um regurgitar desequilibrado de intenções. Canalhice sentimental. Não faço isso, apesar de comer de tudo. Mas, caso queira, bom apetite pro seu coração. Fico com fome, mas me sentindo bem satisfeita comigo mesma.
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