Croissant real.


Não sei se gosto ou se odeio essa nova era, permeada por tanta tecnologia, por tanta comunicação online, virtual, imediata. Em se tratando das relações, dizer se gosto, ou não, passa pela saudade que sinto do tempo que não havia nada disso e nem sentíamos falta. Antes, quando duas pessoas gostavam uma da outra, já desenvolviam logo certas estratégias para se encontrarem, para irem logo ao 'tete-a-tete'. Hoje, espera-se 'ficar online'.

Se aproximava logo, provocava situações extraordinárias, cara-a-cara, simulava até situações onde aparecia 'do nada', investigava aonde o outro ia estar (festas, eventos, trabalho, escola, etc). Ia à luta, tudo com muita carne, coração, olhares, longas conversas. Roberto Carlos fez o amigo Caetano, no exílio, chorar copiosamente com a composição "Debaixo dos caracóis de seus cabelos", ali, perto, foi, esteve junto. Se fosse hoje, talvez mandasse um email ou Caetano só saberia da linda composição através do Youtube.

Lembro-me que quando era bem adolescente, me encantei com um rapaz numa igreja que fui visitar. Quando entrei e sentei , percebi logo a presença dele, sentado bem à minha frente. Pronto, só existia ele na Igreja naquela noite. Seus cabelos enroladinhos, seu ar meio rebelde, contradizendo com seus óculos de nerd, me deixaram logo apaixonada. Eu precisava saber quem era ele, mas sempre fui tímida e nunca, nunca mesmo, consegui abordar ninguém, mesmo se morresse interessada.

Assim que acabou o culto, vi que meu irmão estava conversando com ele e, como estava com meu irmão mesmo, corri pra perto. Meu irmão nos apresentou e os corações logo voavam e cintilavam estrelinhas ao nosso redor. Quem disse que alguma coisa aconteceu? Quem disse que havia Facebook, Orkut, MSN ou Twitter para eu ir logo saber gostos, preferências, telefone, frase preferida, ou até endereço?! Tive que resguardar aquele sentimento, aquela euforia. A ansiedade era gostosa. O mistério, empolgante. O tempo, estimulante. Os sentimentos se misturavam, na ansiedade de saber se íamos ou não nos encontrar novamente.

Passaram-se os dias e aconteceu um passeio à praia da igreja lá e eu logo me escalei pra ir. Assim que cheguei, lá estava o moço, que ficou me olhando de longe. Minhas pernas tremiam, minhas mãos ficavam frias e suavam. Chegando na praia, depois de muito tempo, eu estava sentadinha sozinha e ele se aproximou de mim. Meu coração parecia que ia pular pela boca. Foi meu primeiro amor. Foi meu primeiro namorado. Falei pra minha mãe falar pro meu pai. Ele ia lá pra casa quase todos os dias, telefonava antes, ia às vezes me buscar na escola, me mandava bilhetes apaixonados e cartas de amor quando viajava. 

Tudo sem internet, sem celulares, sem troca de torpedos, sem intervenções de redes sociais, sem troca de status de relacionamento, sem ciumes por causa de pessoas de má fé que usam a internet para atrapalhar as relações, ou são tão carentes e invejosas que não conseguem ver ninguém feliz. Sabíamos dos amigos em comum, VENDO e SENTINDO os amigos em comum por perto. Frequentávamos os lugares, sabendo o que estava acontecendo na cidade ou nos lugares que gostávamos de ir, pelo que ouvíamos falar, pelos jornais, pelas pessoas que nos relacionávamos. Não havia o menor problema nisso e éramos sim, muito felizes.

Não, não sentíamos falta de comunicação ou não vivíamos na paranóia de comunicação, como há hoje, contraditoriamente  Temos tantas formas de comunicação e não temos mais tanta harmonia. Temos tantas formas de comunicação e estamos ficando tão distantes de relações gostosas, de trocas de palavras legais, de conversas sadias, de expectativas no perscrutar de almas, emoções. Temos medo das pessoas, das relações honestas, vivemos desconfiados de tudo e de todos. Lembro-me das cartas que recebia dos amigos, dos amores, do TEMPO que levávamos lendo e relendo aquelas coisas que, só aumentavam os bons sentimentos, já que não havia toda essa invasão do cotidiano e da privacidade um do outro.

Os amigos TODOS que eu tinha conheci sem internet, e poucos ainda hoje não são ainda AMIGOS, a não ser que o tempo ou circunstâncias outras tenham nos afastado. Sabíamos logo se alguém era ou não bom, ruim, louco, de bom caráter, pelo que ouvíamos falar, pelo crivo da família, pela aprovação ou desaprovação da periferia social que vivíamos. Sabíamos o número de telefone um do outro. Confesso que não sei de cor os telefones dos meus filhos ou amigos, já que é só apertar os nomes no celular e já fazer a ligação.

Amigos demoravam para se encontrar por algum motivo ou outro (nem por isso deixavam de saberem-se amados e amigos forever and ever), e não sabiam, por exemplo, que o outro costumava ir todos os dias à padaria comer Croissant, a não ser que um dia se encontrassem em alguma padaria e comessem Croissant juntos ou VERBALIZASSEM, dissessem, falassem. Amigas, que andavam grudadas, choravam juntas as perdas de amores, as tristezas e desilusões uma no ombro da outra, enxugando as lágrimas de perto, ao invés de esperarem a outra ficar online para escreverem, enquanto assistem novelas, a mensagem de acalento. 

Iam mais às casas umas das outras, os amigos se encontravam para andar de bicicleta, para paquerar, para ler, conversar sobre livros, tantos assuntos, dar muitas risadas, ou para os aprontes, em horários marcados, na porta da casa de algum da turma e o que acho mais engraçado, era sem precisar estar o tempo todo enviando torpedos, inseguros se vão ou não estar em algum lugar marcado.

Não tiro o valor que a internet tem. Aproxima pessoas que moram distantes através de uma câmera, encurtam distâncias, mas, sabe? Tenho sim, saudade do tempo em que parece que as coisas e as relações duravam mais e eram mais sinceras e honestas. E por que não dizer, corajosas, perenes, gostosas.  Falo da consciência de que eu vivi um tempo, nem tão distante assim em que, seguramente, ela, essa orgia de artefatos de comunicação, não faria falta alguma. Falo da saudade de um tempo que não volta mais, em que o que é comunicação, hoje é cobrança exagerada de satisfações bobas e intervenções infundadas.

Pensar nessa saudade do tempo do sangue quente correndo na veia, no olhar, na realidade aumentada, nas expectativas, só me encoraja a esperar mais também do mundo real, do que vejo, dos passos que dou, sentindo o pé no chão, as mãos que se tocam, o cheiro que sinto, a voz das pessoas, a reciprocidade das relações de amizade, afetivas, sem tanta intervenção virtual, que, na maioria das vezes, só tem impedido que os amigos saibam, por exemplo, imediatamente, que eu nem gosto tanto assim de Croissant, porque eu digo em redes sociais. Quero que saibam o que meu olhar diz. Isso, com certeza, só poucos saberão, sem necessidade do virtual, apenas do real.

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