A Daruma.

(Imagem original da 'Daruma' de um amigo)
Lá estava eu capitaneando meus desejos. Ia e voltava além mar, buscando desgovernadamente sentir que havia alguma terra à vista. Nesse capitanear, sossobrava a cada tentativa de nadar, até contra o vento. E ir contra o vento é um prazer, vai além dos desejos. O salto no mar atordoava a cada desilusão de saber nadar e lutar contra tantas ondas.

Mas o desejo me quer por perto, como uma ilha a um mar. O desejo me quer por perto, como a um céu às estrelas. O desejo me quer por perto, como a uma concha a uma pérola. Nem sempre as conchas buscam pérolas. Se contentam apenas em serem conchas e revelam-se lindas conchas, embora haja o desejo nelas. E o desejo entra nos meus olhos, na minha boca, espalhafatosamente e sem escrúpulos, num Hedonismo enlouquecedor e determina aonde, como, porque e por onde caminhar. E eu faço os pedidos e deito olhando o céu, que não vive sem as estrelas. E tudo fica calmo de novo, tranquilo como o mar que acolhe as conchas. Isso basta.

Olho prá cima e, se desejo, acho que já tenho. E a luz toma meu corpo, a luz do sol que me faz ficar vermelha, como a uma maçã, fruto do pecado. E eu, ora obedeço, ora desobedeço, numa inquietante e desordenada apatia com o desejo me rondando. Me agonia e me faz esperar. Me enternece e me cobra peças de quebra-cabeças misturados. Passo a garimpar ainda desejos escondidos e a capitanear os mais livres. E descubro que, de uma forma ou de outra, sempre os realizo. Não há dúvida. Sempre os realizo e não hei de passar por esta vida sem desejar apenas o que posso, devo e me satisfaz realizar. Ir ao Taj Mahal talvez seja um desejo, mas mergulhar em alguns cachos, também é igualmente alucinante, talvez. 

Oxigeno meu cérebro apenas para saber que ainda estou lúcida e não desmaiada, já que o desejo de ter, possuir, reter, ceder e viver, só causa síncopes inúteis e quase sempre reveladoras. Implacável, pinto um olho, para ver meu desejo realizado e, zangada, espero sentada. E vários desejos melhores saltam aos meus olhos, mas eu quero aquele ali. E acontece, ou não. E eu não pinto o outro olho e aí eu morro amanhã, como se não tivesse passado por essa vida com desejos e DESEJOS tão realizados. 

O capitanear de desejos que certamente enlouquece, penetra todas as brechas e expõe todos os ossos e condiciona seu sorriso, passa a ser deixado de lado e, com os dois olhos pintados, o domínio sobre tudo que se há de alcançar, será a glória do que se quer ter, e ser. Eu quero tudo, eu sou tudo. Eu posso ter tudo, já que o desejo e satisfação do mesmo é a mesma coisa. O que vale, no fim de tudo, é deixar que o desejo seja    mais ainda garimpado, escolhido e realizado. Sem cortes, sem desinsortes e sem lamúrias. É só um desejo, nada mais. E é o desejo, e tudo o mais.

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