Estatinas.

Dia 1º de outubro é o dia do idoso. Na verdade é um dia que tem como objetivo a valorização do idoso. Um dia para lembrar de nós todos, de como será nossa vida quando essa época chegar. Ninguém, a não ser os que morrem, está livre de ficar idoso. Ou seja, vou te contar uma coisa, você também vai ser um idoso. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define o idoso como aquele indivíduo com 60 anos de idade ou mais, limite este válido apenas para os países em desenvolvimento, como o Brasil, pois nos países desenvolvidos admite-se um ponto de corte de 65 anos de idade. Ponto. É isso mesmo, você que já está na casa dos 40, daqui a vinte anos já se tornara um idoso, você que está com 50, daqui a 10.
Comecei a ter certa vontade de envelhecer logo, acredite, a partir do momento que comecei a ficar cansada de responder a tantas questões que a tal jovialidade me imputa. Quero ver meus filhos dizendo que vão ali visitar a sua 'velha', já me vendo e sabendo velha mesmo, sem JÁ ouvir isso hoje e nem ser ainda, digo isso, entre risos. Em um determinado momento  nos sentimos numa linha limítrofe entre o que você fez da sua vida e o que você não fez, para daí imaginar como será sua velhice. Conheço pessoas que trabalharam a vida toda em algo que não gostavam, passaram a vida toda acordando para trabalhar parecendo que iam para a forca e agora também não sabem o que fazer, como se comportar, gastam seus dias em um vazio, perdidas. Entendi que minha velhice começou naquele dia que aquele moço me chamou de coroa. Comecei a me dedicar cada vez mais ao que eu gosto, sei, domino, a arte do crochê, bordados, artes manuais, leituras de todos os gostos, além de cultivar a alegria e a vivacidade, independente do que tenha que doar ou jogar fora, como as benditas saias curtas.



Sempre penso na minha velhice como algo que já está acontecendo faz tempo. Na verdade, na primeira vez que alguém me chamou de coroa, tive um ataque. Eu não me sentia coroa e estava a todo vapor, ativa em todas as áreas, me sentindo ainda uma gatinha, de saia curta, nas baladas e não enxergava onde estava o ponto em que aquela pessoa se apegou para me chamar de coroa. Tinha por volta de 40 anos. Ao mesmo tempo, dentro da minha rotineira autoavaliação, fiz um autocheckup pormenorizado e percebi que, mesmo sendo já uma coroa, tinha elementos bem substanciais que não me faziam AINDA me sentir como tal. Mas já era uma e tinha que aceitar.

Desde muito nova eu sou completamente apaixonada por algumas coisas que as pessoas acham que são coisas que só velhos gostam: crochê, artes manuais, são algumas destas coisas. Em um determinado momento sim, EU doei as saias curtas, fui perdendo o interesse pelas tais baladas e percebi que a maioria não me chamava mais de coroa e sim, de 'SENHORA'. Sim, eu tive outro meio ataque, ainda bem que o ter sido chamada de coroa, antes, já tinha me ajudado a diminuir um pouco o trauma. Ouvi da minha irmã outro dia que ia já procurar um geriatra porque quer sim envelhecer bem. Ela tem cinquenta e poucos anos. Está certa.


Alguns poderão me dizer que eu poderia continuar a usar as tais sais curtas se eu quisesse. Sim, eu escrevi o EU doei com letras maiúsculas para grifar que isso fui EU. Se você tem 50, 60, 70 e quer continuar a usar suas minissaias, fique a vontade. Assim como as curtas saias, os devaneios apaixonados, a saga sexual-animalesca-afetiva, os arroubos conjecturais políticos, as vaidades excessivas, sempre brinco que já usei, fiz, tive, tudo, absolutamente tudo em alto grau de envolvimento e adquirência que cansei, não quero mais algumas e outras tantas, nem quero, nunca mais. Simplesmente rejeito, doei, joguei fora, abstraí, cortei de mim, afundei junto com um barco cheio do que julgo supérfluo e nem sofro por nada destas coisas.
        
Mas isso sou eu. De outro lado, o que sou hoje sim, já me determina no que serei amanhã. Eu não fiquei em um casamento que não queria porque tive pena de mim e não me imaginava sozinha, abandonada, velha e sozinha. Arregimentei amores e relações outras e de outros níveis tão elevados que  o cultivo destas, mesmo que sejam poucas me fazem ter a certeza absoluta de que não estarei sozinha nunca. E sabe? Casas de repouso nem são tão ruins assim. Por que seriam, se terei tempo para rir, jogar conversa fora, rir de mim mesma, fazer meu croche e ver a Netflix em paz? E minha paz interior eu terei, com fé em Deus, onde estiver. 

Sim, e você? O que você sabe fazer? Do que você gosta? O que vai lhe ajudar a passar e preencher seu tempo quando você for, daqui a pouco, considerado velho? Naturalmente seu vigor decai, em várias instâncias. Daqui a pouco você não vai mais fazer o sexo que fazia quando tinha 20 anos, não vai mais poder comer nem beber de tudo que bebia como antes. É o ciclo natural das coisas e pasme, sua felicidade e satisfação pessoal tem que vir na frente de tudo isso!

Me sinto extremamente feliz hoje em saber que, apesar dos remédios para pressão arterial, das estatinas e demais atenuantes das naturais patologias geriátricas, estou sim me cercando de tudo que gosto de fazer e que, vivi uma vida recheada de opções que preencherão meus dias, quando eu chegar lá, se chegar, claro. A morte me é todos os dias uma grande realidade e também peço a Deus que me leve antes dos que amo, porque lidar com ela ainda me é algo meio sem graça, mas isso é papo para outro texto. Me imagino é velha, sim, sempre, já que a graça de poder dizer tudo que quiser dizer, dançar desconectada, contar piadas obscenas, dormir muito, dar conselhos, curtir os netos e bisnetos sem maiores responsabilidades e fazer meu crochê em paz, só me enchem os olhos. 

App Oldify, que envelhece.
Na verdade ele me deformou.

Posso até já estar bem velha e não saber, quando penso que aquele velho não deveria estar ali ou quando sou bem ranzinza, ou ser uma jovem-coroa-senhora embevecida pela expectativa de envelhecer. Apenas quero entender e ter a consciência de que vivi intensamente. Passado, presente e futuro são cubos com 3 lados e todo velho deveria saber disso. Já sou velha demais para saber que não sou mais tão jovem e jovem demais para saber que sim, já estou quase velha, parafraseando a Sandy do Junior. Ah, que bom, tenho meu crochê e uma tal certeza, que me faz aceitar o fato de que, entre um ponto e outro, sou quase imortal.




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