Timeout

Bom dia, meu filho,
Hoje acordei pensando que ja vai fazer 1 mês que te vi. Você mudou de casa e fui te ajudar dia 07/09 e foi o dia que nos vimos. Não nos damos conta que moramos na mesma cidade, não é mesmo? Quando estamos longe, desejamos ardentemente estar perto. Movidos pela saudade, sentimento cortante, doído. Estranho saber que, mesmo perto, estamos longe, e que, subliminarmente, o sentimento de segurança de que estamos geograficamente na mesma cidade, meio que nos amortece de não carecer do toque, da presença física.
Aí sempre penso em despedidas, perdas, mortes. Sim, penso. Não quer dizer que sou uma pessoa pessimista e macabra. É que já tive muitas perdas e sempre penso em como somos tolos em não aproveitarmos mesmo os momentos com quem amamos, hoje. Parece que quase ninguém mesmo pensa nisso, antes de perder pessoas, tragadas pela misteriosa morte. Conheço até pessoas da família que sequer fazem questão de saber como estão os seus, aqueles que consanguineamente tem ligações. Meu único irmão mais velho passa meses sem sequer querer saber como estou, sem fazer a menor questão de um almoço, um café, um abraço. Ele sequer terá o interesse em ler isso aqui. Também, acredito que sequer sentem algo quando você parte, morre. 
Talvez essas pessoas vivam até melhor. Sentem menos, sofrem menos.
Não sou assim. Minha mãe morreu aos 56 anos e quase todos os dias refaço os passos anteriores à sua morte. Eu disse coisas boas à minha mãe? O que eu fiz para protege-la? O que minha mãe sofria ou sentia que eu não pude mudar? E aquele amigo querido que parecia um anjo, que ninguém até hoje se conforma com sua morte? Que dia eu o vi antes que ele partisse de vez e nunca mais, eu disse nunca mais, ouviria sua voz, seus conselhos, veria seu sorriso?
Por que ficamos dias sem encontrar com nosso pai, com nosso irmão, com as pessoas que vamos morrer de saudade um dia? Não estou dizendo que devamos nos intrometer nas vidas dessas pessoas e sermos cansativos nos cuidados, mas exageradamente deixamos os dias passarem e sequer perguntamos sobre elas, como estão, ou fazemos um pequeno 'esforço' para abraça-los. 
Vai fazer 1 mês que te vi, filho, morando na mesma cidade e não tenho vergonha de dizer isso. Passou tão rápido que sequer percebemos. Nos falamos pela internet todos os dias, mas, e se a morte me tragasse hoje ou a você? Desejaríamos tocar, beijar, abraçar, ouvir o som da voz, o sorriso, as piadas, os choros, tantas, tantas coisas. Somos humanos presos ao tempo, amordaçados pelas circunstancias que constroem muros, paredes, estradas longas. Não o julgo, nem somos culpados. Somos escravos do tempo, do vôo do tempo.
Ah, se minha mãe hoje estivesse pertinho ou acessível. Talvez eu ficasse longe dela por 1 mês. Somos assim, loucos, tolos, displicentes. 
Sigo lamentando e sentindo muito por saber que talvez nunca aprenderemos.
Te amo.

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