Mea Culpa.

Ainda bem que tenho esse espaço aqui, onde posso escrever, sem medo de ser feliz ou infeliz. Há muito tenho sentido um enorme desconforto, por contas de constatações a respeito de novos comportamentos, talvez chamados hoje em dia de 'desconstrução', 'quebra de tabus', 'mudança de paradigmas' e assim vai. Junto com esse desconforto, vem uma certa mea culpa.

Mea culpa porque pergunto se não foi a minha geração que começou a pregar essa desconstrução desenfreadamente, sem embasamento nenhum do que falava, apenas para angariar uma certa liberdade. Primeiro tenho que relatar quais desconfortos são esses. Nesse texto relatarei a primeira, em outros, outras. 

O primeiro deles é o fato de que eu, só eu, ninguém mais nesse mundo é PONTUAL. Hoje eu sento para me atrasar. Desconfio que as pessoas no Brasil são mesmo muito atarefadas e a única que não trabalha, não teve filhos, casa, marido, vida, vaidade, sou eu. É, porque as desculpas para os atrasos são sempre com os mesmos álibis que sempre convivi na minha vida inteira.

Se tinha um compromisso marcado para as nove horas da manhã e tinha filho pra levar na escola, casa para cuidar, trabalho, marido e um infinito feminino a cumprir, já sabia que, no mínimo, teria que levantar às seis horas. Me dá urticaria saber que deixo alguém esperando. Para mim, é uma das maiores faltas de respeito que se pode ter a alguém. Mas hoje, não se pensa mais assim. É status você se atrasar, ter dezenas de atividades e sequer dar uma satisfação, muitas vezes.

Reuniões marcadas para as onze da manhã podem começar as 13:00h, até 14:00h e você que esteja feliz e devidamente sentado e engolindo saliva (sem almoço), como um belo cachorrinho, adestrado convenientemente pelo dono. E se você reclamar, a esmagadora maioria vai lhe colocar um emblema de chato, arrogante e perfeccionista. Nunca fui perfeccionista. Me orgulho até de ser bem complacente comigo mesma. Meu quarto fica alegremente bagunçado, quando quero, casa e carro também.

Entendo os imprevistos, óbvio, mas a reincidência de atrasos, pondo a 'culpa' em outras atividades, em outras pessoas, para mim não justificam. O desrespeito piora quando isso é reincidente nas relações de trabalho. Os subordinados precisam do trabalho e os gestores sabem que, por precisarem, estarão sempre à disposição e são obrigados a estarem a seu dispor. Duro ler isso, não é mesmo? Duro e odioso.

Tinha uma amiga em que esse problema era patológico. Ela não conseguia cumprir horários, por conta de uma lentidão intrínseca. Ja a deixei algumas vezes e parti para a balada porque só eu tinha carro e ia pega-la em casa. Marcava as 21:00hs e, na primeira vez que fui busca-la, saímos da casa dela quase meia noite, já que ela nem banho havia tomado ainda, 21:00hs em ponto, quando cheguei. Nas próximas vezes, se ela não estava pronta, ia de taxi me encontrar lá.

Fomos trabalhar juntas e aí ela teve que procurar um terapeuta. Uma das indicações ou recurso utilizado pelo médico para  sua melhora e tratamento foi usar um relógio que 'apitasse' sempre que ela tivesse um compromisso importante, de minuto em minuto. Obrigações de trabalho são obrigações de trabalho e ser pontual deve ser uma obrigação, não uma escolha.

Já temos que conviver a contragosto com atrasos de vôos de companhias aéreas, esperar em filas, transportes públicos, péssimos atendimentos no comércio, restaurantes, trânsito, tantas coisas e situações em que, obrigatoriamente você é forçado a viver, que, aceitar atrasos constantes por desagravos a horários marcados com antecedência, é, no mínimo, para mim, inaceitável.

Sou extremamente pontual mesmo e sempre fui. Espero que sempre seja. Um amigo que vinha me buscar para sairmos me dizia que nunca viu nada igual. Nunca o deixei esperando. Quando ele chegava, já estava sentada, linda, esperando 'sentadinha no sofá'. Mas isso sou eu. Sempre estudei muito, trabalhei, tenho dias cheios e nunca usei isso como desculpa para me atrasar. Acumular atividades de forma que desrespeite pessoas que contam comigo jamais fará parte do meu dia.

Os que aceitam isso sem esboçar a menor reação negativa são vis condescendentes ou simplesmente fazem parte de um monturo de gente simplória, sem nenhum sentimento de amor-próprio, incompetentes ou até desafeitos à coletividade. Empresas que perpetuam essas infindáveis reuniões, descomprometidas com seu pessoal e horários, pela minha experiencia como gestora, são natimortas ou caminharão sempre cambeteando, em um turnover acachapante.

Marca horários com folga, tenham respeito pelo outro, dê satisfação se for convidado a algum lugar e não puder ir, seja educado ao menos no mínimo que se evoque o respeito ao outro, pelo amor de Deus ou ao que você crê. Se não teve educação suficiente para isso, comece a observar quem tem e comece a praticar. Tenha respeito aos seus familiares que contam com sua presença no horário certo de almoço, por serem de uma outra geração e amam almoçar com você presente. Se sabe que não vai chegar, ou não vá almoçar ou peça que marquem para um horário a mais um pouco, com certeza vão entender o seu gesto de carinho em avisar.

Estou me adaptando aos poucos ao sistema inverso do que aprendi, infelizmente, em várias situações e coisas. Na verdade acredito que nunca vá me acostumar, mas, terei e tenho que me adaptar. Acabou o tempo da boa educação, do esforço em escrupulizar, pelo menos é o que tenho visto mais frequentemente em muitas vias. Sigo lamentando e, muitas vezes, sendo tachada de arrogante e intolerante. Vou entender que, com certeza, é o abstrato vencendo a concretude. 

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