Meu vizinho que não é Alok.

Meu vizinho não é Alok. Que pena que meu vizinho não é Alok. Graças a Deus que meu vizinho não é Alok. Me vi completamente em um beco sem saída, como tantas vezes fico, como boa geminiana, até resolver qual seria meu 'posicionamento' (adoro essa palavra). Se, por um lado, acho o DJ incrível, lindo, perfeitinho, com sua mulher linda, encaixado perfeitamente no metro quadrado mais valioso de São Paulo, bem quisto em qualquer segmento, altruísta, amoroso, gentil, caí, por outro lado, na constatação de que sou sim, como a maioria dos seres humanos, discriminatória, seletiva e preconceituosa.

Explico: meus vizinhos, em sua maioria, sempre me tiram do sério com suas preferências musicais, seus estilos musicais e suas formas de OUVIR essas suas preferências. Me mudei, há uns anos atrás para uma casa que até considero tranquila. Existia um casal, no que eu sempre chamei de 'favelinha', atrás da casa onde moro, que só ouvia um ser coverdetodomundo chamado Silvano Sales. Nem preciso dizer que o gosto musical combina perfeitamente com as pessoas em questão. Quando estou no furacão da raiva, sempre me pergunto se a pessoa é pobre porque tem um gosto musical horrível ou se ela tem um gosto musical horrível porque é pobre. E não me venha com mimimi de que não existe música ruim, porque existe sim. Não vem ao caso aqui, seria um texto de 15 laudas, o assunto.

O casal apurrinhador, depois de tanto reclamarmos (eu e os vizinhos da própria favelinha), botou seus copos de extrato de tomate nas caixas e foi embora. Um dos dias mais felizes da minha vida. A paz se instaurou. De uns tempos pra cá comecei a ouvir de novo um som alto, também horroroso, como se fosse de crianças cantando (a moda agora por aqui é esse tipo de 'voz'). Batida de arrocha, aquela batida que mesmo você tapando os ouvidos, fica só ela ao fundo. Vinda do Hades. Percebi que geralmente era domingo a tarde e seguindo noite adentro. Claro, fui la reclamar. Me sai de dentro de casa, aliás, colocou o rosto numa janela um ser assustador, com um dos olhos com um certo defeito, sim, caolho, com a boca suja de um alimento peculiar a eles, chamado farinha, me dizendo impropérios e questionando o fato de que a vizinhança tem uma igreja na esquina e não se incomoda, porque eu estava incomodada com ele.

Afora o fato de me sentir péssima em ter que descer tanto, vou tentar encurtar a historia, para não cair no risco de ser tachada como mais preconceituosa ainda. Na terceira vez que ele colocou o som alto, agora ja quase meia noite de um domingo, chamei a policia, já que fui la e, junto com os vizinhos da favelinha, batemos até quase quebrar as mãos na sua porta suja e, quanto mais batíamos, mais ele aumentava o som. 

Chegando a Polícia, o sujeito ficou de gracinha com o policial e eu quase morro de alegria quando o Policial se aproximou dele e disse que ele estava falando demais e que se eu ligasse de novo, ele sairia dali algemado, por desacato. Não ligou mais o som, ao menos até hoje. Não sei se vai obedecer, já que o ser das trevas é pirracento, sabe como é. Mas, pelo menos, tomou um susto.

Fiquei lembrando de Alok. Vi um video do síndico do condomínio em que o DJ mora, dizendo que ficou tenso no dia da live bombástica, porque alguns moradores questionaram o fato do DIREITO de qualquer um TAMBÉM fazer uma live, nos mesmos moldes, quando quisessem. Por que só Alok podia? A desculpa é o momento da Pandemia do Corona Virus? E se um morador anônimo quiser dar qualquer desculpa para fazer um evento semelhante, qual a diferença?
https://www.ibahia.com/nem-te-conto/detalhe/noticia/sindico-do-predio-de-alok-fala-sobre-sufoco-durante-live-apavorado/
 













É porque é Alok e a Rede Globo, o poder, o dinheiro e o status que vem primeiro?
Me vi desejando ser vizinha de Alok. Me vi ali naqueles belos apartamentos pulando, dançando, tomando meus belos drinks, rodeada de pessoas lindas, cheirosas, e, mais uma vez, questionei: será que são assim porque são ricas ou são ricas porque são assim, lindas, cheirosas e educadas? Me peguei desejando ser qualquer coisa de Alok, mas, como assim?

De novo pergunto, por que ele pode e meu vizinho feio, caolho, velho, desdentado, cheirando à mistura preferida de tais criaturas (álcool, cigarro e suor) não pode? Eu tenho a resposta. Não, não pode. Se há uma lei e uma regra, deve ser PARA TODOS. O rico não pode invadir o sinal, nem o pobre. Ah, mas foi só uma vez na vida. E se cada morador quiser fazer um evento dessa magnitude 'uma vez na vida' com o estilo de som e aparatos que costuma fazer e gostar? E se for uma famigerada live 'baile funk'?

Olha eu aí mais uma vez sendo a vizinha chata, sim. Aquela que quando vai ligar o som, pensa no outro, se ali tem bebês, idosos, pessoas que não precisam ouvir o que eu gosto de ouvir. Mesmo estando dentro da sua casa, o som que sai dali não deve me atingir. O respeito deve sempre passar por aí. Os lindos e cheirosos vizinhos do lindo Alok deveriam assistir sua live de dentro de suas belas casas, assim como eu. Mais uma vez, respeito e escolha, devem sempre chegar antes em quaisquer relações. 

Que pena que meu vizinho não é Alok e que pena que meu vizinho é o velho assustador, estilo Walking Dead. Que bom que os vizinhos de Alok foram presenteados com um som e uma produção sensacionais e que pena que por aqui a coisa é bem ao contrário. Mas, que bom que meus pais me ensinaram que o respeito ao outro e o cumprimento de leis e regras deve ser para todos e não apenas para um público selecionado. Devo ter a alma imparcial, nem tanto, nem tão pouco. Sempre, o justo.

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